segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Merthiolate

Olá olá de novo, caros amigos! Como está indo esse mês de Outubro, essa primavera maravilhosa? Uma loucura bizarra, as usual?
Eu não sei vocês, de fora de São Paulo, se passam por algo parecido. Mas o inverno paulistano foi um calor insuportável, chegamos a conviver com temperaturas superiores a 30º. E, poxa, estamos abaixo do Trópico de Capricórnio, deveria fazer frio aqui. Mas não fez. Daí, começou a primavera, e todos os paulopolitas ficaram assustadíssimos, morrendo de medo de morrer derretendo nos asfaltos da nossa cidade grande. Mas não, todo o frio que não fez no inverno fez na primavera. É nessas horas que eu fico grato de não estudar meteorologia e ter de entender essas coisas absurdas como clima.
É, porque o que eu coloco no meu blog não tem nada de absurdo. :D

Vamos lá, minha gente! Mais um post para o meu Inominativo lindo. Obrigado pela audiência, e boa leitura. Ieié!


Merthiolate

Quando eu era criança, se sujar fazia bem. Pais e mães deixavam os filhos se divertirem em playgrounds, quadras esportivas, estacionamentos de condomínios, por entre as araras das lojas de roupas, no meio do matagal. Aquela era uma época em que era normal ser criança, e você podia se divertir e ser inocente, cutucar uma abelha pra aprender que doía, subir em árvore pra cair e machucar o ombro, andar de bicicleta sobre pedregulhos e esfolar o rosto. Era aquela época em que vídeo-games eram caros, e não existia maior diversão do que por chinelos Ryder em cada lado na rua pra fazer golzinho, em pegar as bonecas das meninas e sair correndo, em levar bronca da mãe por causa da algazarra, de comer pipoca assistindo a Os Goonies e tirar aquela sonequinha maravilha durante a tarde. Ah, os bons tempos :D
Aquela era uma época em que errar fazia parte, e lidar com as durezas da vida era bom, formava o caráter. Se você era o gordinho da turma e sofria bullying, você tinha de aprender a responder com uma piada mais sagaz e agressiva. Se o seu sorvete caía no chão e você abria o berreiro, seu pai não ia te comprar outro pra você aprender a tomar conta das coisas. Se você era mordido por um cachorro, você levava bronca, por ter enfiado a mão onde não devia. É claro que o cachorro vai te morder, você esperava que ele te desse bom dia?

A epítome daquela época é o remédio antisséptico que titula este texto. O antigo Merthiolate - remédio à base de timerosal - era, como os leitores mais anciãos poderão se recordar, um tubinho vermelhinho branquinho com uma pazinha exótica. Quando você passava aquela pazinha cheia de remedinho na sua ferida, você estava desinfetando as bactérias malignas que tentariam entrar no seu organismo pela mais nova fenda no seu joelho. A função do Merthiolate, naturalmente, era matar todas as bactérias intrusas e dar ao seu joelho uma cicatrização asséptica e feliz. :D
Mas o Merthiolate tinha aquele truque maligno no bolso: ele era à base de álcool e acetona. E aquele treco ardia para caralho. Então, jovenzinho, além de você ter estourado sua perna tentando descer aquela rampa de skate, você ainda teria de sentir a sua perna arder demais com o remédio, senão você poderia ter uma infecção terrível, perder a perna, nunca mais andar. Além de apanhar da sua mãe por não ter passado o Merthiolate, claro, o que é muito pior.
Dentro daquele vidrinho branco com a pazinha exótica, vinha uma grave lição de moral para as crianças brasileiras: fazer arte é divertido; mas se você não fizer direito, vai doer. O Merthiolate lembrava aos crianços e crianças do Brasil como dói  andar de stake numa rampa de pedregulhos; como dói andar de bicicleta sem joelheiras; como dói para caralho sair por aí achando que você é invencível, quando você é um reles saco de carne patético, que não sabe nem amarrar a porra do próprio cadarço. O Merthiolate era um bruto exercício de humildade, em que você entende, aos poucos, as duras características da vida, entende que viver dói, e se preparar para aquele dia em que você será adulto, respeitoso, terá crianças, carro, casa e contas pra pagar.

Mas o mundo mudou, senhores. Em algum lugar entre o fim do Século 20 e o começo do Século 21, a sociedade ocidental decidiu simplesmente que não curtia responsabilidades. Inventamos a "adolescência", período em que podemos nos comportar como adultos mas ser tratados como crianças, e não temos responsabilidades. A adolescência foi prolongada ad eternum, com marmanjões de 30 anos ainda jogando vídeo-game em casa e dando despesas. As pessoas não querem compromisso, nem dor de cabeça, nem nada. Querem acordar, fazer nada, comer, voltar a fazer nada e dormir de novo.
Não que isso seja ruim, é claro! Todo mundo quer fazer isso! Todo mundo quer abandonar a faculdade, o emprego, os filhos e a esposa e passar o resto da vida acordando 10h e engordando na internet - mas antes ninguém fazia isso, porque tinha caráter suficiente para honrar suas responsabilidades! Se manter nas suas vidas rotineiras, pagando por suas crianças, carros, casas e contas! Compromisso, senhores!!

Hoje, o Merthiolate não arde mais. Quando uma criança se esfola, se fode, cai de joelho e abre aquela ferida grotesca, eles colocam um pouco do Novo Merthiolate - que, agora, é à base de clorexidina - que desinfeta sem aquela lição de moral indelével, sem aquela consequência subjetiva: errar dói. Quando você erra, você sente a dor, e você aprende a não errar. Como o Merthiolate não dói mais, perdemos essa importante lição de vida - não há mais erro, queridos leitores. Hoje ninguém aprende com coisas erradas. Somos superprotegidos, podemos fazer qualquer coisa, ser mimadinhos, ser frouxos. Não sentimos mais aquele pânico horripilante antes de passar remédio na ferida, que nos ensinava a ser bravo, ser forte, ser filho do norte.
Deixamos de ensinar importantes lições, e nossos filhos não passam por aquela importante fase de formação de caráter. Ele não apanha dos pais quando dá chilique porque não ganhou um iPhone 5. Ele não é posto de castigo quando vai muito mal em Matemática. Ele não tem a mesada cortada quando desobedece aos pais. Coitado dele, tem uma infância difícil. Os pais não têm condições de dar um XBox 360 pra ele.
E aí, nossos filhos se acostumam a ser eternos adolescentes. Ninguém os ensinou que viver é assim mesmo, que crescer é chato, que tropeçar dói, que cachorros mordem. Quando eles perdem o primeiro emprego, levam o primeiro fora, não ganham presentes no Natal, não sabem lidar com o mundo vil e cruel. Ninguém nunca os ensinou que as coisas funcionam assim mesmo. Ninguém nunca os ensinou que Merthiolate ardia. Pra caralho.

Então, caríssimos leitores, Quando estiverem vivendo por aí, neste maluco Século 21, e vocês se esfolarem na vida, lembrem-se do quanto Merthiolate ardia, mas que era preciso passá-lo para conseguir ter uma perna saudável novamente. Lembrem-se de perder o emprego é péssimo, mas agora você está livre pra arranjar outros ainda mais legais! Ficar solteiro é uma grande bosta, mas agora você está livre pra caçar todas essas cocotinhas por aí (ou os machos à solta, a preferência é sua)! Crescer é duro e injusto, mas você também vai se divertir, e vai se sentir bastante orgulhoso bancando crianças, carro, casa e contas. E ainda poderá ensinar pros seus filhos tudo sobre as maravilhosas coisas da vida - inclusive a matar zumbis no Resident Evil, e xingar o juiz naquele São Paulo x Palmeiras tensíssimo.
E você, criança, que nunca teve um Merthiolate que ardia para ilustrar a dureza da vida: deal with it. A vida é duríssima, mesmo. Você não pediu pra nascer, mas o problema é seu, e terá de se foder pra valer, e lidar com as coisas. Pare de depender dos seus pais bananões, pare de dar chilique quando não ganhar seu espertofone preferido, pare de reclamar de tudo e não fazer nada pra melhorar. Vá arranjar um emprego, vá ser voluntário, vá lavar a louça. Vá passar a porra de um álcool nessa sua ferida no joelho. AND MAN. THE FUCK. UP.
Quem sabe assim as pessoas param de fazer bullying em você. Frouxo.

Ouvindo:
Underdog
Spoon
Ga-Ga-Ga-Ga-Ga (2008)

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