segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Mentiras Sinceras

Queridíssimos! Honradíssimos, excelentíssimos, magnificíssimos leitores! Eu ainda não desisti desde blogue decrépito! Então é com muito orgulho que lhes recebo mais uma vez para dar um pouco de entretenimento nesta internet tão estranha dos idos modernos!
Mas eu sou um Rafael das antigas - hoje todo mundo faz humor e conta histórias com imagenzinhas. Eu ainda prefiro meus textos enciclopédicos e difíceis, porque é como eu sei me comunicar. E, afinal de contas, depois de tantos anos com textos longos e sem-graça, não será justamente agora que eu vou mudar de ideia, né? Claro que não! :D

O post de hoje nasceu, como sempre, de discussões com amigos de diversos círculos sobre a minha (deturpadíssima) visão sobre a sociedade e a modernidade. Agora que sou um adulto feito (ou, pelo menos, gosto de pensar assim), eu acho que estou tão certo sobre a vida quanto qualquer outro - e isso significa arranjar brigas por causa de opiniões diferentes que são parecidíssimas, e tentar provar pros outros que eles estão tão errados quanto poderiam estar. Simplesmente pela diversão de vê-los cair do cavalo. Hehehehe...
Enfim, em discutindo sobre comportamentos modernos eu frequentemente discordo de amigos meus sobre o tema do assunto de hoje. As pessoas costumam achar que falsidade é feio, vejam só. Mas como eu gosto de ser do contra, eu resolvi defendê-la!! E gostaria de mostrar a vocês meus motivos. Acompanhem-me.

MENTIRAS SINCERAS

Todos vocês, caros leitores, estão mais ou menos acostumados com os famosos Sete Pecados Capitais. Eles são agrupamento de comportamentos condenados pela ética cristã, criados na época em que a Igreja Católica mandava em toda a Europa, e "ir para o Inferno" era uma ofensa das brabas. Oras, vocês sabem que somos humanos nojentos, mesquinhos e pecadores, e nossas ações são igualmente nojentas, mesquinhas e pecadoras. Os excessos de nossas vidas não devem ser tolerados, por serem prejudiciais a nós, a Deus e a Igreja e a sociedade em geral. Como a Igreja, naquela época, tinha a incessante mania de enfiar o bedelho em nossas vidas, eles tentavam controlar nossos excessos, para vivermos em uma sociedade organizada e correta (até que veio a Revolução Industrial, transforou tudo em excesso, e hoje vivemos intensamente em pecado libidinoso; viva a Era Moderna!!). Este mesmo autor, em um outro post, comentou sobre a intervenção da Igreja Católica nos costumes dos nossos queridos portugueses, coitados.
Para evitar que as pessoas não trabalhassem, por exemplo, costumou-se dizer que a Preguiça era um pecado tenebroso, um pecado capital! Assim como o Orgulho! E a Avareza! E a Gula, e a Inveja! A Ira, a Luxúria! São pecados que dão origem e dão motivações a todos os outros pecados que existem. Pecados crueis, que transformam os homens de bem em seres irascíveis e diabólicos, trabalhando pelo benefício próprio e pela adoração ao Satanás Tinhoso, o Cão Sulfuroso, o Pé-de-Bode. Que coisa.

Nos idos modernos, entretanto, muitos católicos (e demais cristãos, por que não?) talvez queiram revisar esses Sete Pecados. Talvez pedir pra tirar a Preguiça, ou até a Gula. Mas com certeza, pra incluir aquele pecado mais-que-mortal, um pecado assassino. O pecado destruidor de famílias, de amizades, de cidades. O pecado que vitimou Troia, que assassinou reis, que desmoronou relações de décadas. A falsidade, caros amigos, é pérfida e tenebrosa. Desde que aquela cobra falsa deu uma inocente maçã para Eva e condenou a ela - e a toda Humanidade - a viver fora do Jardim do Éden, convivendo com a dura e fria realidade, nós condenamos as pessoas mentirosas. Aquelas que nos sorriem e mostram todos os dentes claros, numa enorme expressão de confiança e amistosidade, somente para nos apunhalar por trás, quando menos esperamos. Bastardos.
Sim, a falsidade é horripilante. E se duvida de mim, caro leitor, venture-se a dar uma volta nas timelines de seus amigos e amigas no Facebook - em especial nas timelines daquelas suas amigas que acham bacana compartilhar todas aquelas imagenzinhas "engraçadas" daquelas páginas superdivertidas do Facebook. Acompanhe como as pessoas hoje em dia condenam, publicamente, a falsidade. É o pior sentimento do mundo!, bradam eles. Não há nada pior!, gritam elas. As pessoas se incomodam com potenciais mentirosos, temem que seus bons amigos e melhores amigas sejam, na verdade, nojentos, mesquinhos e pecadores, que mentem para nós que gostam da gente e querem nosso bem, quando na verdade desejam nos ver pelas costas, para espetar uma faca nela e rir de nossos desfortúnios.

Uma coisa, todavia, sempre me intrigou a respeito dessa crucificação aberta e pública da falsidade: é tão ruim assim conviver com uma falsidade de vez em quando? Qual é a penalidade tão profunda em descobrir, afinal de contas, que estiveram mentindo pra você? Oras, queridos leitores, você cresceram cercados de falsidades, cá e lá! Cresceram acreditando no Papai Noel, na Seleção Brasileira, na política. Seus pais eram falsos com você pra que você se comportasse e se transformasse em um adulto decente. Seus professores eram falsos com você pra ver se alguma educação entrava na sua cabeça dura. O que passou na vida das pessoas que, subitamente, queremos a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade? Não posso mais fingir que sou seu amigo pra copiar sua lição de matemática? Fingir que gosto de você pra não zerar na balada? Fingir que te respeito pra você me dar promoção e aumento? Agora que estamos passando o mundo a limpo, condenando o bullying (que, pelo visto, também merece ser outro Pecado Capital), vamos aproveitar e condenar também tudo o que é falso e mentiroso!
Na humilde opinião do autor que vos escreve, condenar a falsidade é como condenar o álcool depois de uma ressaca violenta: você fala mal, mas não consegue viver sem. Todo mundo conta aquela mentirinha leve pro patrão desculpar a meia hora de atraso, pra justificar o aniversário do amigo que foi esquecido, aquela mensagem de texto no celular que "não foi vista". Poxa, mentir faz parte, é a maneira que inventamos pra manter nosso pretenso status social, que é bastante importante. Se você, caro leitor, pode mentir, por que seus amigos estão proibidos? Onde está a justiça com seus iguais? O falso, caro leitor, é você, que mente todo dia e se recusa a aceitar que todos têm o direito de ser falso como você! Siiim, aceite o fato! Você também é FALSO!! MWUAHAHAHAH!!

Aceite e abrace essa ideia, cher ami. Pense diferentemente: quando alguém é falso com você, não significa que ele quer seu pior. Não quer dizer que ele deseja vê-lo desiludido e soluçando pelos cantos, lamentando que a vida é injusta é desonesta. Significa, ao contrário, que ele quer poupá-lo da injustiça e da desonestidade da vida! Se ele está sendo falso com você, caro leitor, seu amigo falso se preocupa com você!! Ele, no mínimo, se preocupa o suficiente para inventar uma realidade alternativa, onde você não sofre e todos são felizes e contentes! Eu não minto pra quem não gosto - pra eles eu digo que eles são pobres, feios, e fedidos, e não faço a menor questão de dividir meu tempo precioso com eles. Mas meus amigos?? Eu minto na cara dura! Falo que os amo, que me preocupo com eles, que quero vê-los felizes e sorridentes! Tudo isso porque eu me importo minimamente para inventar uma realidade mais bacana, onde todos são felizes e se amam! Pode até ser mentira, mas ninguém precisa saber! E todos tomam sorvetes felizes num domingo de primavera! Oh, como a vida é bela quando ela é falsa! \o/
Alguns de vocês, hipócritas bobocas, apontarão seus dedos em minha cara e dirão que eu ficarei chateado quando eu descobrir, um dia, que alguém foi falso comigo a valer. Pois eu direi "Nem ligo, eu também menti, porque eu não me importo". Siim, eu não me importo com essas verdades de meia-pataca, e nem com esses arautos da realidade cinza e boboca. Oras, o Cazuza, quando esteve perdido sem pai nem mãe, já dizia que "mentiras sinceras me interessam". Issaê, Cazuza! Que mintam pra mim, que me façam de bobo, nem ligo mesmo! Desde que eu acabe me divertindo no processo, valeu a pena! Tudo vale a pena quando a alma não é pequena! \o/

Então danem-se os ensinamentos modernos, a moralidade cristã, as ciências sociais, as regras de convivência. Mintam! Mintam de cara lavada, mintam com suas melhores poker face, mintam suas cartas! Vivam em seus pequenos mundos de faz-de-conta e, se um bobão vier estourar sua bolha de sabão, vá lá e sopre outra! E agradeça aos seus amigos mais falsos, por eles terem a decência de se importar com a sua felicidade. Não é por isso que você passa o dia inteiro no Facebook, vendo sua realidade alternativa, em vez de trabalhar na sua realidade real? Um viva à falsidade, queridos! E deixem de considerá-la um Pecado Capital.
Aliás, absolvam todos os Pecados Capitais. Preguiça e Gula são tão legais... :P

Ouvindo:
Maior Abandonado
Barão Vermelho
Maior Abandonado (1984)

Um comentário:

cacovsky disse...

Rafa, desde os tempos d'O Inominável que tenho essa opinião: você é talentosíssimo. Pressinto o surgimento de um escritor.