sábado, 24 de fevereiro de 2007

O Homem que Falava Demais

Bom-dia! Bom-dia! Fevereiro chegando ao fim, hein? Alguns de nós já voltaram a rotina, e continuam apanhando dela. Outros, como eu, voltarão logo mais. Outros de nós começam uma rotina nova em breve - certo, Gabriela querida? - e outros estão sem rotina definida para o ótimo ano de 2007. Rafael está animado para continuar a sua rotina, e foi passear para fazer compras necessárias. E aconteceu o que vou lhes contar hoje.
Atualmente, muita gente reclama que a sociedade moderna é uma merda. Os metropolitas são grossos, mal-educados, prepotentes, donos da verdade, sem paciência, preconceituosos etc. Rafael aqui, que não gosta desse tipo de imagem negativa para a humanidade, tenta ser uma pessoa, digamos, melhor. Sabe, educada, atenciosa, feliz, curiosa. Mas é só com pessoas deste tipo que acontece este tipo de evento.

Contos do Cotidiano
IV - O Homem que Falava Demais

Como eu dizia, estava Rafael ainda hoje no Shopping Jardim Sul, na Zona Sul de São Paulo. Eu ia esperar minha mãe sair do trabalho dela e fazer compra de reposição de bens escolares. Enquanto minha mãe não saia, entretanto, Rafael foi passear e observar a vida. Entrei em algumas lojas, vi alguns preços, li alguns livros na Siciliano - eu realmente adoro livrarias.
E daí eu entrei em uma papelaria para ver preços de estojos. E encontrei o figuraça do título. Vocês já viram aqueles senhores na rua que adoram parar para conversar com todo mundo? O cara fica no ponto de ônibus contando sobre alguma aventura dele em 1930 e coisas do tipo, sabe? Então. O senhor que estava na papelaria era um deste tipo. Estava lá, conversando com a mocinha que fica no balcão. Se eu não tivesse conversado com o cara, eu poderia até pensar que ele fosse um dos velhos babões, que adoram ficar olhando pras adolescentes. Mas não, ele estava passando uma das lições que ele tem, em grande quantidade, de sua vida.
Eu fiquei na minha, deduzindo que o senhor sairia e fosse embora para, enfim, eu poder perguntar para a atendente onde ficavam os estojos. Mas, é claro, ele veio falar comigo. Pegou uma caneta dessas de desenho da Era Espacial e me disse, como se fosse algo terrível: "Hoje em dia todas essas canetas são feitas pelos chineses", e se virou. Lembra o que eu falava lá em cima? Sobre eu ser educado, atencioso e etcétera? Então, Rafael parou para ouvir o senhor. Ingênuo...
Depois das canetas, ele começou a falar que o preço estava barato. Preço de camelô, aliás. Talvez na 25 eu poderia achar uma caneta por um preço parecido. Assim como em Nova York, em que você pode achar ótimos relógios a preços muito reduzidos com os camelôs de lá. "Aliás, quando eu fui pra Nova York", dizia o senhor, "teve um moço que vendia relógios abrindo o casaco dele. Eu comprei um relógio bem bonito, e só paguei US$40,00, o que é barato para o padrão dos relógios americanos. Agora, quando ele deu problema, levei em um relojoeiro, e perguntei se existia uma maneira de trocar a bateria, como quem não espera nada. Pois não é que quando o cara abriu o relógio ele me mostrou que as peças eram feitas de diamante e, portanto, eram bem verdadeiras? Naturalmente, o camelô roubou de alguém e me revendeu, mas eu não podia contar ao relojoeiro, né?"
Como é de se esperar, ele conta a história com uma riqueza maior de detalhes pois, afinal, foi ele quem viveu a história, não eu. Mas o interessante é a maneira que a história foi evoluindo. De repente, ele falava sobre os furtos daqui do Brasil. E como o Brasil é um país atrasado e infeliz, porque as pessoas reclamam da sociedade mas não fazem nada por ela. E existem os incultos e os marginais, mas eles são resultados de vinte anos de democracia pessimamente guiada. E hoje estes votam no Lula, e ficam pedindo dinheiro, e a sociedade piora. Aí, ele fez uma pausa. Eu calculo que ele estava processando novas palestras.
Que fique claro neste ponto: eu não concordava com a maior parte do que ele dizia. Qualquer um que conhece o autor deste blog um pouco deveria saber que ele não gosta de engolir esta falácia de que somos atrasados, e de que o Primeiro Mundo é a sociedade perfeita, etc. Acontece que eu não estava a fim de discutir com um senhor de, no mínimo, 70 anos, que já tinha uma opinião formada beeeem antes de eu pensar em nascer. Além do quê, como eu falei, eu sou educado. E deixei o homem concluir. Mesmo porque eu vi que ele não gosta do Lula, então ele é um dos meus.
Enfim, depois de uma breve pausa ele continuou falando que ele não gosta da sociedade hipócrita brasileira, porque existe tanta imundice aqui neste país que passou a ser comum para as pessoas verem mendigos na rua. Elas vêem, e passam como se não vissem. "Outro dia", disse o figuraça, "eu vi uma mulher na rua, em pleno Natal, com seu filho no colo. Eu vi um policial e pedi para que ele fizesse sua obrigação, e retirasse a mulher da sarjeta e a levasse para um abrigo. É claro, nos Estados Unidos os policiais fariam isso sem hesitar mas, aqui, neste país atrasado, o policial nem se mexeu. Falou que não era da conta dele. Então eu tive que mostrar minhas credenciais para ele, e obrigá-lo para fazer". Neste ponto, o senhor me mostrou as credenciais em questão. Ele é oficial superior do Segundo Batalhão do Exército (ooooh). Deve ser importantão.
De qualquer jeito, contou mais umas histórias onde ele precisou usar de sua influência militar, e passou a falar da classe média brasileira, que é vista lá fora como uma das mais atrasadas do mundo. Segundo o senhor, os intelectuais brasileiros não gostam de ler, e passam o dia inteiro vendo televisão. "Isto é típico dos novos ricos, que ganham dinheiro e não querem repartir. Quando pessoas sabem ser ricas, elas demonstram classe. Os verdadeiramente ricos são educados, simpáticos, afáveis". E ele contou que a elite americana sempre faz doações para programas sociais nos Estados Unidos. Ah, sim, Rafael sempre temperava a história dele com um "É mesmo?", "Nossa! Não sabia!" e "Que interessante!".
Finalmente, ele disse que precisava ir, e me perguntou o meu nome. Eu respondi, e ele já emendou outra história. Ele tem um neto com o mesmo nome que o meu, que nasceu um mês antes de mim e que está estudando para ser piloto de táxi aéreo. Eu fiquei (ou eu fingi ficar, já não sei) bastante interessado. Ele concluiu contando que o neto isso e aquilo, e foi embora, dizendo que foi um prazer conversar.
Depois deste banho, o que eu concluí? Na análise minha, o senhor é um militar que ganhou bastante dinheiro na Era Militar e nos períodos anteriores, quando o Exército era influente e vivia reescrevendo a história do Brasil. Como ele devia estar acostumado com a sociedade de 1940 ou 1950, sei lá, ele está acostumado com uma época onde policiais prendiam ladrões de bolsa de mulheres, e os Estados Unidos acabaram de ser promovidos a mocinhos na história mundial. Acredito eu que ele tenha ido para Nova York na mesma época, e tenha tido uma ótima impressão da Grande Maçã. E hoje, envelhecido, e amargurado pela realidade do bom século XXI, ele solta seu veneno para quem quer ouvir. Pessoas que têm a paciência de ouvir as lamúrias de um pobre ancião, que viu bastante sobre a vida e o mundo. Alguém como, digamos... eu. ^^

Enfim, não sei dizer se o vovô está certo ou errado. Acho que cada um está certo, no seu ponto de vista. Ele acha que o Terceiro Mundo é só uma gaiola de macacos mal-amestrados que errou terrivelmente, quando decidiram abandonar a Europa. E que lugar civilizado mesmo é o Primeiro Mundo. Eu, por outro lado, acho que as sociedades têm lá seus defeitos e qualidades, mas são todas, em geral, sociedades humanas. E agradáveis, apesar de tudo.
Mas o cara viveu pelo menos 3 vezes mais do que eu. Quem sou eu para julgá-lo? É capaz de ele ter conhecido a minha avó no passado e eu nem saber. É capaz de ele ter salvo a vida do Presidente Kubitschek e eu nem saber. A gente só sabe das coisas quando as pessoas contam. Certo?

Ouvindo:
Outsiders
Franz Ferdinand
You Could Have it So Much Better (2005)

5 comentários:

Anônimo disse...

Vou colocar um sparadrapo na sua boca isso sim ahjaaaahhaha
Cara o Carlos mandou um grande abraço a ti, e sente muitas saudades de vc
Abraços meu amigo e comente o meu fotolog que atualizei hoje

Unknown disse...

Ah, tadinho dele... hehe...
Sei lá viu, eu axo q eu concordaria com ele em vários aspectos =P
Mas o problema do Brasil é Brasília... huahua
=*

Anônimo disse...

Profundo...

Ou entào ele estava meio Ga-gá...

Eu acho que São Paulo é melhor que New York..

AAHHHH Você sabia que um novayorkino pode almoçar cada dia de sua vida em um restaurante diferente e que se ele viver uma vida, considerada longa, de 90 anos ele nunca irá repetir o restaurante????

E Aqui em São Paulo seria necessario não só almoçar como jantar em lugares diferentes e mesmo assim seria necessario mais de 100 anos?????

sim... eu não tenho nada o que fazer... e por isso estou escrevendo um comentario tão longo aqui...

Anônimo disse...

Raaafaa \õ/

É.... coitado vai ver ele era sozinho e queria compania em uma das suas viagens no tempo \õ/

pelo menos ele não e daqueles que cantam bem alto nos shoppings e nos onibus
xD~~

:****

Nadir R S Felício disse...

Rafa, ouvir histórias e ou estórias, acrescentam conhecimentos e aumentam nossas possibilidades de comparar e argumentar. Do jeito que o mundo está indo, não seremos o primeiro mundo, seremos o único.
Isso vai ocorrer exatamente porque somos atrasados demais, os evoluídos se descuidam do simples(absurdos as vezes)mais simples costumes, gestos e cordialidade, e não sobrevivem às dificuldades.
Porém nós temos algo que o primeiro mundo não tem... Os brasileiros! Quer mais alegria, igenuidade e criatividade?
Mas, verdade seja dita, que precisamos melhorar, ah! isso precisamos.

Beijos
Nadir