terça-feira, 31 de julho de 2007

Atraso

Hey hey, people! Todo mundo feliz? Que saudades agudas deste blog! E de vocês também! \o/

Antes de começar, aqui, pára tudo! Eu sei que é muito improvável que Vitor, meu irmão menor, venha a ler isto, mas ainda assim, acho justo. Meu maninho querido, que está ao meu lado desde que me deou por gente, desde que me lembro de fazer bobagens, completou na véspera deste dia seu décimo-oitavo ano de vida. Agora, entre outros, ele poderá ver filme de sacanagem, beber até cair, fumar, assinar suas dívidas e ir preso. Mas como ele nunca fez nada disso e - até onde sei - não pretende fazer tão cedo, ele vai descobrir que chegar à maioridade não é nada demais. Assim mesmo, foi mais um ano que meu irmão esteve ao meu lado, sendo o meu irmão que eu não escolhi, mas que escolheria de novo, sem a menor dúvida. Parabéns pra você, Vitor, meu irmão. Que você aproveite seu próximos anos às bicas. Amo você, bros. ^^
Ok, de volta a programação usual.

Esse título bem que poderia servir para a minha falta de freqüencia aqui no blog, não acham? Quer dizer, eu, nesta sanha minha de ser alguém na vida, praticamente abandonei as minhas raízes de inutilidade aguda aqui, neste blog, que tanto amo. Mas, ah, eu tomei vergonha na cara hoje, e estou furando uns 25 compromissos, incluindo um almoço importantíssimo com o Primeiro-Ministro Gordon Brown e uma rodada de discussão com proeminentes membros da economia liberal japonesa. Viram só, como sou importante?
Mas não. O "Atraso" em questão nada tem a ver com o fato de eu estar atrasado. E sim com o fato de eu ter me atrasado. Hoje. Sabe, quando tudo dá errado ao mesmo tempo? Os deuses conspiram cada mínimo detalhe para que um breve espaço da sua existência seja marcado por uma inexplicável concentração de imprevistos azarados? Pois é. É quando você está atrasado.

Contos do Cotidiano
VII - Atraso

Ele estranhou quando deu mais uma virada na cama. "Devo ter acordado bem cedo", pensou, enquanto tentava reencontrar o sono para dormir mais um pouco. Estava acostumado a ser acordado pelos seu despertador infalível e, quando este falhava, seus pais forneciam um insuperável backup, retirando-o de seu sono na hora correta. Aliás, correto até demais. Bem que eles poderiam deixá-lo atrasar alguns dez minutos, pô.
Não era de se suspeitar nada ao virar para o outro lado e notar que já havia acordado. As pessoas, dentro de uma certa rotina, costumam despertar mais ou menos no horário em que elas estão acostumadas. Mas ele acordou meio cedo, pelo visto. Dormiu demais? Estava descansado? Era o vento frio que o despertou, talvez? Nah, não era importante. Ele poderia voltar a dormir. Mais uns quinze minutos de cochilo, oras. E foi assim que aconteceu, Mais uns quinze minutos de cochilo.

Quando ele percebeu o que estava acontecendo, já havia passado tempo demais. Seus pais estavam pulando da cama com o rosto em pânico, gritando palavras ininteligíveis e, esporadicamente, berrando o nome dele. Uma sinfonia desajeitada ecoando o ar, como quando derrubam uma pilha de panelas no chão e a tampa fica barulhando por minutos. Abobalhado, sentou-se na cama, e olhou para os lados. "Sol? Não costuma ter sol na janela em Julho quando eu acordo. Estamos no Inverno. O que está acontecendo?". Eis que, maquinamente, ele vira-se ao infalível despertador. E onde deveria estar escrito 6h00 está escrito 6h45. Ele estava meio atrasado, afinal.
Antes de partimos para o desespero, vamos entender a rotina do protagonista. Ele acorda às 6h00, e vai para a cozinha aos trancos e barrancos, arrumar algo para comer. Ele toma café antes de seus pais, porque sai mais cedo. Quando já são 6h30, aproximadamente, ele já concluiu sua refeição, e vai ao chuveiro, pra ver se ele acorda na marra. Quinze minutos de uma tentativa sem sucesso, e ele veste suas roupas, disfarça o cheiro corporal com um desodorante e sai do seu reduto familiar às 7h00. Então ele tem quinze minutos para fazer o que ele faz em uma hora. Agora podemos imaginar que ele está em pânico.
"C***lho", estou atrasado!", grita, em meio aos gritos de seus pais, enquanto ele se joga de sua cama para se desvencilhar mais fácil do edredom. Lembrando que está frio do lado de fora, ele sai desabalado para o guarda-roupa para pegar uma blusa e um casaco. Seu pai saiu para comprar pão, e sua mãe foi para o banheiro tomar banho. Ele não come o pão que o pai busca, ele tem de sair mais cedo. Então ele foge pra cozinha, olha para os pães de forma e decide que quinze minutos não é lá tempo suficiente para passar manteiga no pão. Ele pega então uma caixa de leite e o Toddy e senta-se, às pressas, para tomar seu meio-café-da-manhã. Ele vira o leite na caneca, coloca as duas colheres e toma um gole. E ele quase vomita, porque ele não lembra de ter provado algo tão ruim em muitos anos. Ele olha pra caneca, e nota que os flocos estão com uma cor estranha... Ele cheira a caneca, e constata: a porra do leite azedou fora da geladeira. Ééééca, ele pensa, jogando a caneca na pia e desejando passar mal de propósito para tentar se desintoxicar. Ele se lembra de uma garrafa de Coca-Cola na geladeira e, vorazmente, agarra-a, e toma vários goles. Ele quer ter certeza de que o gosto da Coca vai inibir aquela sensação horrível de leite azedo, aquele gosto nojento, aquela cor de merda em pó... Que nojo!

Frustrado em tentar disfarçar o gosto de nhaca na sua garganta, nosso herói conforma-se com o azar de seu dia. Atrasado, sem pão com manteiga e com essa lembrança de ter virado aquilo na sua boca, ele sente-se derrotado. E vai para o chuveiro, afinal, para esfriar a cabeça. E acaba esfriando, mesmo. Deixaram o chuveiro no "Frio" ontem à noite, e esqueceram de voltar ao normal. Não é gostoso tomar uma ducha fria quando a temperatura é de 8º. Amaldiçoando a vida, ele desliga a porra do chuveiro e coloca o infeliz no lugar.
Depois de um banho relâmpago, onde ele nem pôde aproveitar a água quente, ele sai correndo para o quarto, caçando roupas. Acha lá uma camiseta que deve estar legal, uma calça que deve estar limpa, um par de meias que deve ser um par igual, roupas de baixo que ele reza que estejam limpas, e joga tudo na sua cama, para se vestir. Em tempo recorde de 1'35'', ele consegue estar vestido. Quando ele se olha direito, ele vê que a calça dele não estava limpa, tinha uma mancha de algum lugar, que ele não recordava. Frustrado, ele remove-a e coloca outra calça. Tudo bem, é a vida. Coloca os sapatos, arruma sua mala e vai até a mãe para lhe desejar um dia feliz, já que o dele não será, mesmo. É quando a mãe diz pra ele: "Filho, suas calças estão curtas". Ele olha pra baixo e vê seus tornozelos. Ele olha no relógio. 7h15. E responde "Ah, mãe, grande coisa". Ele sai correndo para o ponto de ônibus.

Em um dia normal, depois de pegar o ônibus que passa pela estação de metrô, ele desembarca, vai à plataforma e espera, em média, 90 segundos até o próximo trem, que está vazio o suficiente para que ele entre, e lotado o suficiente para que ele não tenha muito conforto. Mas é o suficiente. Mas hoje não é um dia normal. Ele vai ao ponto e constata, frustrado, que o ônibus de sempre já passou. Ele está uns vinte minutos atrasado. Enquanto ele está no ponto, ele se lembra do Teorema do Atraso, um teorema interessante, que merece nossa atenção agora.
Segundo uns estudiosos alemães e franceses, há uma correlação muito forte entre o seu tempo de saída do lugar de origem e o tempo de chegada ao lugar destinado. Teoricamente e logicamente falando, a proporção deveria ser de 1:1 - ou seja, pra cada minutos que você se atrasa para sair, é um minuto que você se atrasa ao chegar. Acontece que seja lá em que criou esta nossa realidade não ligava patavinas para sensos de lógica e razão, de modo que esta proporção é cruelmente desobedecida. A proporção é, normalmente, maior do que isso (ou seja, 1:2, 1:3, ou até 1:5, respectivamente um minuto pra dois, um minuto pra três e um minuto pra cinco). Quanto mais caótica a cidade, quanto mais terrível for o tráfico e mais azarado for o seu dia, maior a proporção será, provam estes estudiosos, por meio de cálculos realmente enfadonhos e chatos, que serão beneficamente evitados. Seja lá como for, podemos esperar que para vinte minutos de atraso ele não chegará no seu destino antes de meia hora, no mínimo, de atraso, certo? Azar. Amargo, amargo azar.

Embarcado no ônibus, ele remove de sua bolsa uma revista, que ele recentemente adquiriu e não pôde lê-la. Ele aproveita o tempo de viagens entre ônibus e metrôs para pôr a leitura em dia. Lendo ele esquece que é azarado, ele imagina. Mas só imagina. Porque lá vem a porra do azar dizer oi de novo. Desta vez, na forma de uma gota d'água em cima da página de sua preciosa revista, tratada com o maior dos carinhos. Quando ele, por reflexo, vira seu rosto em busca da fonte da gota, vem uma segunda. Ele defende-a no meio do ar, mas a terceira passa por entre seus dedos e atinge em cheio a página. Em fúria e em pânico, ele olha para o velhinho com cara de tapado, segurando uma sacola com um guarda-chuva molhado dentro, lá no alto do ônibus, acima da cabeça de todo mundo. Onde ele molhou o guarda-chuva é um mistério, porque faz uma semana que não chove. E porque alguém carregaria um guarda-chuva molhado acima da cabeça dos outros, é outro mistério sem resposta. Mas nosso amigo não pode ter um piti com o velho porque, afinal, ele é um idoso, coitado. Não podemos maltratar estes seres frágeis, estes senhores tão vividos, que viajam de graça às nossas custas e ainda nos desrespeitam, estes velhacos caquéticos filhos de uma... Opa, quase que ele diz em voz alta. Ele avisa ao senhor que a sacola dele está a gotejar, na esperança de que alguma providência seja tomada. Mas o vovô somente troca a sacola de mão. Derrotado, ele guarda a revista. Sem donut para nosso amigo. Coitado.

Chegamos à estação de metrô, at last! Agora, sim, a viagem engrena. O trem passa rápido, vocês vão ver só.
Depois de quase três minutos, a estação parece um portão de entrada para o show de alguma dessas bandas ruins que fazem um sucesso popular que é cientificamente impossível. As pessoas se amontoam atrás da linha amarela, e em cima dela e além dela também, aguardando o trem que ainda não chegou. Temendo ser empurrado nos trilhos por estes vândalos, ele fica a uma distância segura, mas corre o risco de não caber no próximo comboio. Rezando para qualquer um que ele acredite que seja o Criador, ele pergunta o que diabos que aconteceu com ele enquanto ele dormia. "Venderam minha alma pro Demônio em meu nome? Não é possível!", pensa, enquanto um cara que deve ter três vezes mais massa do que ele posiciona ao seu lado, pisando no seu pé e fazendo ele perder as esperanças de que conseguirá embarcar no metrô.
Eis que ele chega. Pra variar, apinhado de outras pessoas. Mas, huah, este é o Brasil! Aqui todo mundo cabe em qualquer lugar! "Um passinho pra lá, por favor", dizem os mais educados, em quanto todo mundo se esfrega e se acoxa uns nos outros, numa verdadeira demonstração de Sodoma e Gomorra. O pecado sobre trilhos. Nosso amigo é um dos últimos a embarcar. Para sorte dele, o cara assustador entrou em outro vagão.
A poucas estações do destino, uma situação inusitada: uma das passageiras, uma atraente mademoiselle, descansava inocentemente em um dos poucos bancos do comboio. Ao notar a estação, e ao perceber que a estação era a estação de desembarque dela, ela tenta cavucar um caminho por entre os metros cúbicos de pessoas para chegar ao ar livre, ou quase. Nosso amigo salta do trem para dar passagem à mocinha, mas o trem apita e a porta fecha. Com ele do lado de fora. ;_;

O outro trem está vazio, do jeito que Murphy gosta. Ele poderia ter esperado mais 30 segundos e pegar um trem vazio a viagem toda. Ou poderia nunca ter percebido que o trem vazio estava logo atrás para não ficar desapontado. Mas não é assim que a vida funciona. Ele embarca, e vai embora.
Felizmente, ele não dorme e perde a estação. Ele desce na estação correta, chega à superfície com notável rapidez e confere um bonito sol de terça-feira olhando para ele. Talvez, afinal de contas, o azar tenha passado. Mas só talvez. O dia ainda nem começou. ^^

Ouvindo:
The Iron Sea
Keane
Under the Iron Sea (2006)

2 comentários:

Anônimo disse...

UHAuHAHAuhAUhUHAuHAUH

"pecado sobre trilhos"
uahauhauah

mto bom Rafa!
espero q o resto do seu dia tenha sido melhor!!

beijaaao

Unknown disse...

Huahua, mto bom! o texto, claro... ñ o seu dia... ah, mas foi engraçado vai? agora q já passou né? =P